sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
a erosão não é um eros muito grande
(dizer que te amo é dizer que estou disponível para te amar esperando que os dias e os meses mudem o sentido definitivo da palavra)
segunda-feira, 14 de dezembro de 2009
vim sentar-me para escrever
a mãe equilibrava o amor
avaliando o risco
de afogamento
quando mudamos de casa dizem-me
são seiscentos quilómetros
dez horas de viagem
*
na cidade vai nevando
sou feliz não há mar estou sentada
a minha mãe
*
sei que
ninguém morre para que ninguém tenha de escolher
avaliando o risco
de afogamento
quando mudamos de casa dizem-me
são seiscentos quilómetros
dez horas de viagem
*
na cidade vai nevando
sou feliz não há mar estou sentada
a minha mãe
*
sei que
ninguém morre para que ninguém tenha de escolher
não sei se te lembras disto
Há uma história de um gato e um rato que tiveram um filho. Do desastre que se lhe seguiu nasceu uma criança. O rato, fugiu. O gato saiu à caça. A criança foi a única que não pôde fazer nada.
Há um animal que se chama ónagro. Também pode ter filhos.
O meu avô era marinheiro. Morreu debaixo de um comboio.
A minha avó criou a minha mãe debaixo dos carris que lhe arruinaram a graça, que é como quem diz, pancadaria subterrânea.
Não sei como é que a história avançou até ao voo do meu perfume que
de rajada
se estilhaçou na parede.
Há um animal que se chama ónagro. Também pode ter filhos.
O meu avô era marinheiro. Morreu debaixo de um comboio.
A minha avó criou a minha mãe debaixo dos carris que lhe arruinaram a graça, que é como quem diz, pancadaria subterrânea.
Não sei como é que a história avançou até ao voo do meu perfume que
de rajada
se estilhaçou na parede.
[é o ponto de partida]
vim sentar-me para escrever
ouve, posso comprar qualquer outra coisa que te faça falta
maçãs e regressar
desejando claro que o dia te seja limpo e tempo de preparação: 5 minutos
grau de dificuldade: muito baixo pequeno-almoço na sala
título no canto, ao guardanapo:
maçãs e regressar
desejando claro que o dia te seja limpo e tempo de preparação: 5 minutos
grau de dificuldade: muito baixo pequeno-almoço na sala
título no canto, ao guardanapo:
uma boa escritora querendo ser uma bela escritora
que não se atira
que não se suja
que não se coloca no meio do texto
que não se suja
que não se coloca no meio do texto
[é preciso, antes de mais, encontrar como primeiro destinatário o próprio poeta, que este seja belo ou não, que não faça diferença, que se dane a sintaxe, o leitor, o crítico, o avaliador; se eu sou o poeta, que não sou belo, que não sou bom, que se dane eu. é preciso, logo de seguida, nem sequer duvidar.]
vim sentar-me para escrever
exercício número um: trabalhar o que já existe.
o primeiro verso era título de um livro
o poema começava pelo que faltava
no texto ou no poeta
pão
ou
uma boa escritora querendo ser uma bela escritora
o primeiro verso era título de um livro
o poema começava pelo que faltava
no texto ou no poeta
pão
ou
uma boa escritora querendo ser uma bela escritora
sexta-feira, 11 de dezembro de 2009
sábado, 5 de dezembro de 2009
quando o texto te escreve. se inscreve. se instala. impele. assombra. quando te agarra e te atira contra o seu próprio corpo sólido. quando a caligrafia é o decalque do teu roteiro interior.
chegar a ti sem deixar pegadas.
não (te) voltes para trás.
trabalha o esquecimento.
sonha a árvore e devora avidamente o seu fruto.
deixa a última semente de realidade por comer.
quero construir uma casa comunitária.
mas como? quando dizes casa outro diz casa diferente.
é preciso ceder para o bem comum, dizes tu.
quero construir uma casa. cedo a cor (rosa, branca, azul), mas façamos uma casa confortável para todos que a nomeiam.
quando digo "confortável" não digo tapetezinho fofinho com dez centímetros de altura.
digo : toda a casa deve ter alicerces para não cair, telhado para abrigar.
construamos a partir daqui.
mas como? quando dizes casa outro diz casa diferente.
é preciso ceder para o bem comum, dizes tu.
quero construir uma casa. cedo a cor (rosa, branca, azul), mas façamos uma casa confortável para todos que a nomeiam.
quando digo "confortável" não digo tapetezinho fofinho com dez centímetros de altura.
digo : toda a casa deve ter alicerces para não cair, telhado para abrigar.
construamos a partir daqui.
que assim comece
Senhor, dá a cada um a sua própria morte.
Uma morte saída dessa mesma vida
em que ele teve amor, miséria e sentido.
[Rilke]
Uma morte saída dessa mesma vida
em que ele teve amor, miséria e sentido.
[Rilke]
quinta-feira, 3 de dezembro de 2009
se queres escrever porque não queres escrever?
se ousasse escrever também me escreveria
ocorre-me, antes de mais, a invocação de uma imagem: o corpo do texto, compacto, plástico.
estou a ler a besta de lascaux. fico a pensar no texto antes de ser texto: anterior e posterior à escrita. quero dizer - texto interior, desejo de texto, presságio do que será o texto. ["metatexto"?]
depois. o gesto, materializando o texto, ou fazendo-o jardim em letras de escrita, é um exercício: entro nele como aquele soldado que atravessa o território inimigo pensando que já morreu.
tento que a escrita percorra o essencial para que seja sempre futura. que o ímpeto presente concorra com a efervescência do que ainda não veio. como rené char: o poema é o amor realizado do desejo que permanece desejo. a escrita, sempre a vir, exposta sem garantias e sem certezas.
falo do que escrevo, partindo do que leio, porque acredito numa oração.
Se queres escrever, escreve-te.
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
deitado no colchão finito da morte, abres os olhos do sonho, és o sonho, respiras, vives a tua vida de sonho, onde não há separação. um momento é o momento------------------------ligação entre o que sentes, ouves, o que te torna uno. escrever para sair do circuito da escrita. ouve, não fales. mantém o fervor passivo da não acção.
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